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Técnicas de recolha de materiais empíricos

A concretização dos objetivos do trabalho de campo está intimamente associada à seleção das técnicas a utilizar durante o processo de pesquisa, pelo que esta etapa não pode ser esquecida pelo investigador (Aires, 2015).

As técnicas de recolha de informação amplamente utilizadas na metodologia qualitativa podem ser categorizadas em 1) técnicas diretas ou interativas e 2) técnicas indiretas ou não-interativas (ibidem). Colás (1992), citado por Aires (2015, p. 24) sintetiza-as da seguinte forma:

1) Técnicas diretas ou interativas:

- Observação participante;

- Entrevistas qualitativas;

- Histórias de vida.

2) Técnicas indiretas ou não-interativas:

- Documentos oficiais: registos, documentos internos, estatutos, dossiers, registos pessoais, etc.;

- Documentos: diários, autobiografias, cartas, etc.

Técnicas diretas

Observação

A observação consiste numa técnica básica de pesquisa e pode ser compreendida como a recolha de informação, de modo sistemático, por meio do contacto direito com determinadas situações (Aires, 2015). A observação científica diferencia-se das observações espontâneas pelo seu caráter sistemático e intencional (Adler & Adler, 1994, apud Aires, 2015), permitindo-nos obter uma visão mais abrangente da realidade, articulando a informação oriunda da “comunicação intersubjetiva entre os sujeitos com a informação de carácter objectivo” (Adler, 2015, p. 25).

Olabuenaga (1996, mencionado por Aires, 2015) refere ainda que esta é uma técnica poderosa (na investigação social) quando devidamente direcionada face aos objetivos explicitados previamente, com fases sistematicamente estipuladas, possuindo um controlo quanto à veracidade, objetividade, fiabilidade e precisão. Outra característica, aponta para o não-intervencionismo, isto é, “o observador não manipula nem estimula os seus sujeitos” (Aires, 2015, p. 25).

Características da observação qualitativa (Adler, 1994, apud Aires, 2015; Aires, 2015)

  1. É essencialmente naturalista;

  2. É praticada no contexto do acontecimento, entre os sujeitos que participam na interação;

  3. Segue o processo normal da vida quotidiana;

  4. Não está limitada a categorias de medida ou de resposta (os observadores não estão limitados);

  5. Não se concretiza mediante um projeto de pesquisa rígido; e

  6. É de caráter flexível e aberto.

Etapas de observação (Colás, 1992, mencionado por Aires, 2015)

  1. Seleção de cenários (o cenário mais profícuo traduz-se naquele em que o investigador tem um acesso mais fácil, escabele boas relações com os indivíduos e oferece informações relacionadas com questões essenciais da pesquisa);

  2. Recolha de informação (por meio de notas de campo, entrevistas, registos textuais dos diálogos);

  3. Tratamento de protocolos recolhidos (reflexão teórica sobre o que foi observado, formulação de ligações entre as múltiplas dimensões da realidade observadas).

Tipos de observação

As observações científicas diferenciam-se entre si, pelos seguintes aspetos (Olabuenaga, 1996, citado por Aires, 2015):

  1. Diferentes estratégias de observação (participação direta ou não);

  2. Diferentes níveis de sistematização e de estandardização da informação (fixando ou não as categorias, os grupos, etc.);

  3. Diferentes graus de controlo (controlando e manipulando, ou não, a situação).

O conceito de observação, quando limitado ao âmbito que evita o controlo experimental, deteta quatro classes de observação (ibidem):

  1. Panorâmica-participante (etnográfica ou global);

  2. Panorâmica não-participante (o observador não é um “participante completo”);

  3. Seletiva-participante (o foco do observador baseia-se em aspetos concretos);

  4. Seletiva não-participante (o observador mantém a liberdade de movimentos e distancia-se dos fenómenos e dos indivíduos observador).

Observação qualitativa na aplicação aos processos educativos

Vantagens (Aires, 2015, referindo Colás, 1998)

  1. Potencialidades que demonstra no estado das dinâmicas e inter-relações dos grupos em determinados cenários socioculturais;

  2. Facilidade na obtenção das informações internas aos grupos (não detetáveis mediante outras técnicas (e.g. entrevista);

  3. Possibilidade de aprofundar o conhecimento das culturas de grupos;

  4. Garantia de credibilidade dos resultados (através do trabalho com fontes próximas);

  5. Facilidade no registo de informações não-verbais.

Desvantagens (Aires, 2015)

  1. Perigo da subjetividade;

  2. Incidência do comportamento do investigador na dinâmica do grupo;

  3. Perda de capacidade crítica.

A sua validade pode ser atestada através de atividades de contraste, sendo estas (Aires, 2015):

  1. Triangulação interna do observador (estudo sistemático do caderno de terreno);

  2. Triangulação teórica (confronto de modelos teóricos múltiplos);

  3. Triangulação entre observadores e atores (confronto das conclusões com os atores implicados);

  4. Descrições (muito precisas das situações particulares).

Entrevista

A entrevista é uma das técnicas mais importantes no estudo da compreensão humana. Esta possui uma multiplicidade de usos e uma diversidade de formas: entrevista individual falada (as mais comuns); entrevista de grupo; entrevista mediatizadas pelo computador, telefone ou correio (Fontana & Frey, 1994, apud Aires, 2015). A entrevista pode ser utilizada para diversos fins: comerciais, terapêuticos, políticos ou científicos e pode durar apenas alguns minutos como pode durar dias (e.g. entrevista de histórias de vida).

Tipos de entrevistas (Olabuenaga, 1996; Colás, 1992, apud Aires, 2015)

  1. Entrevistas entre duas pessoas ou com um grupo de pessoas;

  2. Entrevistas que envolvem temas amplos (e.g. biográficas) ou as que incidem sobre um só tema (monotemáticas);

  3. Entrevistas conforme o maior ou menor grau de pré-determinação ou estruturação das questões abordadas: entrevista em profundidade ou não-diretiva, entrevista focada e entrevista estruturada ou estandardizada.

Entrevista estruturada: “consistem na interação entre entrevistador e entrevistado com base num conjunto de perguntas pré-estabelecidas e num conjunto limitado de categorias de resposta; as respostas são registadas pelo entrevistador de acordo com o sistema de codificação previamente estabelecido” (Fontana & Frey, 1994, mencionado por Aires, 2015, p. 28).

Entrevista não estruturada: “dada a sua natureza qualitativa, desenvolvem-se de acordo com os objectivos definidos; as perguntas não são definidas a priori e, por isso, surgem com o decorrer da interacção entre os dois agentes (entrevistador e entrevistado)” (Aires, 2015, p. 28).

Entrevista aberta, não-diretiva ou em profundidade: “utiliza-se a partir de u, conjunto de critérios operativos fundamentais que justificam a sua validade como instrumento de captação e de transmissão de significado” (ibidem, p. 29).

Tabela 1: Diferenças entre entrevista estruturada e entrevista não-estruturada (Olabuenaga, 1996, in Aires, 2015, p. 30).

Entrevista em profundidade: “constitui numa técnica útil para a obtenção de informações de carácter pragmático, ou seja, para saber como os sujeitos actuam e reconstroem o sistema de representações sociais nas suas práticas individuais” (Aires, 2015, p. 31).

Entrevista de grupo: “a entrevista de grupo ou interrogação sistemática de vários sujeitos em contextos formais ou informais pode ser implementada no formato de entrevista estruturada, semi-estruturada e não estruturada” (ibidem, p. 36). Esta não substitui a entrevista individual. Abaixo segue uma tabela com os tipos de entrevista de grupo e suas dimensões.

Tabela 2: Tipos de entrevista de grupo e suas dimensões (Fontana & Frey, 1994, in Aires, 2015, p. 37).

Grupo de discussão: técnica de recolha de informação comumente utilizada pelos investigadores qualitativos. Baseia-se na produção de discursos orais de determinado grupo social, proporcionando uma representação da realidade: valores, normas, interações sociais, etc. e pressupõe a existência de um projeto de pesquisa aberto e a inclusão do investigador como sujeito aberto ou em processo. (Colás, 1998; Ibañez, 1992, mencionado por Aires, 2015).

Prática de grupo de discussão em contextos educativos: ao contrário do questionário, da entrevista aberta ou da entrevista em grupo, o grupo de discussão é uma técnica recente e, por isso, ainda com pouca divulgação e aplicação (Aires, 2015). A inclusão desta técnica em contextos escolares deve ser inserida naturalmente no desenrolar das atividades aí desenvolvidas, devendo consistir numa atividade prevista no projeto de trabalho de professores e de alunos. Neste sentido, os partícipes, os espaços e as temáticas dos grupos de discussão devem ser aqueles que fazem parte do contexto sociocultural. Normalmente, a duração da atividade não ultrapassa as duas horas, embora dependa das dinâmicas do grupo e das estratégias definidas pelo entrevistador (ibidem).

Histórias de vida

A sua utilização iniciou-se nos anos 20, sendo considerada u recurso de grave valor nas ciências sociais. Consiste na narração da experiência de vida de uma pessoa. (Aires, 2015). “A história de vida apresenta um carácter global e é suscitada pelo investigador para determinados fins: fazer uma análise da realidade vivida pelos sujeitos, conhecer a cultura de um grupo humano, compreender aspectos básicos do comportamento humano e das instituições” (ibidem, p. 41), onde a informação coletada deverá ser enquadrada numa perspetiva sociocultural (Colás, 1998, apud Aires, 2015).

Técnicas indiretas

Desempenham várias funções na investigação educativa, tais como (Aires, 2015):

  1. Apoiam os métodos diretos de recolha de informação;

  2. “Validam” e contrastam a informação adquirida;

  3. Reconstituem acontecimentos relevantes para as pessoas ou grupos sociais em análise; e

  4. Geram hipóteses.

Aires (2015, referindo Colás, 1998) menciona dois tipos de documentos: os oficiais (internos e externos) facultam informação sobre as organizações, a aplicação da autoridade, o poder das instituições educativas, estilos de liderança, etc.) e os pessoais (incluem as narrações produzidas pelos sujeitos que descrevem as suas próprias experiências, ações, crenças, etc., destes destacam-se os graffitis, diários, cartas e anotações pessoais. Os graffitis, cartas e notas pessoas facultam informações sobre as relações, interesses, gostos, visões da cultura e conceitos, aspetos fundamentais para a análise dos processos educativos).

Referência

Aires, L. (2015). Paradigma qualitativo e práticas de investigação educacional. Lisboa: Universidade Aberta.

Esta publicação deve ser referenciada assim:

Pereira, F. (2017, dezembro 27). Técnicas de recolha de materiais empíricos. [Post em blog]. Disponível em https://fabriciopereiraieul.wixsite.com/omeuapa/single-post/2017/12/27/T%C3%A9cnicas-de-recolha-de-materiais-emp%C3%ADricos.

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